24.1.12

HISTÓRIA DO DODGE NO BRASIL

A Chrysler Motor Corporation, fundada nos Estados Unidos em 1925, chegou ao Brasil em 1949 através da Brasmotor, que montava seus automóveis importados em regime CKD (completamente desmontados) e um ano depois faria o mesmo com os Volkswagens. Em 1958 instalava-se no Brasil uma subsidiária da Simca francesa, da qual 25% pertenciam à Chrysler, para produzir o Chambord.
Em 15 de agosto de 1967 a empresa era absorvida, surgindo então a Chrysler do Brasil S.A., com sede no quilômetro 23 da Via Anchieta, em São Bernardo do Campo, SP, de frente à Volkswagen. Após manter por mais de 10 anos a fabricação desse Simca e de suas evoluções, a subsidiária brasileira optou pela produção de carros da marca Dodge.
Antes mesmo que a empresa lançasse no mercado os novos Esplanada, Regente e GTX, em abril de 1968, o governo brasileiro já aprovara um investimento de 50,2 milhões de dólares, para a produção de caminhões Dodge e o projeto de desenvolvimento e fabricação dos automóveis Dart com motor V8.
Um dos maiores inconvenientes era a autonomia, pois o tanque comportava apenas 62 litros. O alto consumo de gasolina — 4 a 5 km/l — fazia pouca diferença naquele tempo, anterior à primeira crise do petróleo. A fábrica, otimista, falava em 8,1 km/l. Como novidade, a suspensão apresentava braços sobrepostos com barra de torção longitudinal na dianteira, em vez de mola helicoidal, mais comum. Na traseira havia um eixo rígido com molas semi-elíticas. A direção, embora ainda não tivesse assistência hidráulica, não era muito pesada, ao custo de uma relação muito alta (24:1, depois 16:1 na assistida).
Os proprietários reclamavam, no entanto, dos freios a tambor nas quatro rodas (apesar de as dianteiras terem dois cilindros de roda, de modo a cada sapata ser primária, auto-energizante), que não correspondiam à expectativa, dados o peso do veículo e as velocidades que podia alcançar. A mesma crítica aplicava-se aos pneus de construção diagonal, que a própria fábrica não recomendava para mais de 150 km/h, mas havia opção de radiais Pirelli CF67 Cinturato, garantidos até 180 km/h.


Depois do lançamento do Dart sedã, a Chrysler ampliou sua linha. Em outubro de 1970 lançava o Dart Coupé, de duas portas sem coluna lateral, e a opção de direção assistida, seguindo-se em novembro, por ocasião do Salão do Automóvel, as versões esportivas Charger LS e Charger R/T. Já como modelo 71, o Charger distinguia-se dos Darts pelo estilo intimidador e pela gama de opcionais oferecida, fazendo dele um dos carros mais cobiçados do país.


O Charger R/T chegava provocando sensação: colunas traseiras alongadas, faixas pretas, bancos individuais com câmbio no console, freios dianteiros a disco
O Charger R/T, com sua sigla que significava road and track (estrada e pista em inglês), oferecia um pacote completo: bancos dianteiros individuais com console central, câmbio de quatro marchas com alavanca no assoalho, direção assistida, freios dianteiros a disco, conta-giros. Por fora exibia rodas e acabamentos esportivos, faixas pretas, faróis ocultos atrás da grade, colunas traseiras alongadas sobre os pára-lamas, teto revestido de vinil. Sob o capô, que possuía travas externas, estava o mais potente motor de um carro nacional.
Era o mesmo 318 V8, mas vinha com taxa de compressão mais alta (8,4:1 em vez de 7,5:1), o que exigia o uso de gasolina azul, de maior octanagem — pela primeira vez no Brasil desde o Willys Interlagos. A potência bruta passava de 198 cv para 215 cv, e o torque máximo, de 41,5 para 42,9 m.kgf. Essa versão demonstrou-se o carro de série mais veloz fabricado no Brasil: chegava aos 190 km/h.
O Charger LS, por sua vez, caracterizava-se como um cupê de luxo com certa esportividade. Oferecia de série câmbio de três marchas, motor de 205 cv e o mesmo painel do Dart, mas podia receber opcionalmente bancos individuais separados por um console, caixa automática, ar-condicionado e direção assistida. Era possível ainda equipá-lo com itens do R/T, como escapamento duplo, conta-giros, rodas esportivas e o motor 10 cv mais potente.
Novo estilo no Charger Para 1973 (ano do lançamento do médio 1800/Polara) havia novidades nos Chargers LS e R/T: faróis duplos (ainda escondidos atrás da grade, como no modelo americano) com as luzes de direção entre eles e novas lanternas traseiras. O R/T perdia as travas externas do capô e as faixas pretas sobre ele. Por dentro, instrumentos redesenhados, lampejador do farol alto e ajuste interno do retrovisor externo esquerdo, uma inovação.




O Charger 1973 passava a ter dois faróis, ainda atrás da grade, e era o primeiro nacional com ajuste interno do retrovisor
Isso tudo o diferenciava bastante dos modelos anteriores. Suas vendas cresciam e logo as demais marcas se sentiriam ameaçadas. A Ford preparava às pressas o Maverick GT e a GM estudava novas formas de ganhar potência no Opala SS 4.100. A Chrysler aproveitava sua superioridade em potência nos anúncios publicitários do modelo, chegando a dizer que "carro esporte com menos de 200 hp é brincadeira", enquanto exibia imagens de crianças em carrinhos de bater de um parque de diversões...
Na linha 1974 o Charger trazia novas faixas laterais, rodas esportivas e a inédita, até então, caixa automática com alavanca no assoalho e bloqueio do conversor de torque na terceira e última marcha. Este recurso faz com que o câmbio opere como uma caixa manual em terceira, eliminando o deslizamento do conversor e as perdas de energia resultantes.



Comparativos eram feitos entre o Charger R/T e o recém-lançado Maverick GT, com seu V8 de 4,95 litros e 199 cv brutos. Os números de desempenho eram semelhantes, mas com pequena vantagem do Charger nas provas de aceleração. Apesar de toda a euforia, ocorria a primeira crise do petróleo e, com a gasolina subindo assustadoramente de preço, o Charger via suas vendas em queda no final do ano.
Como paliativo para conter o consumo, toda a linha Dodge passava a dispor como opcional do Fuel Pacer System (traduzível por sistema moderador de consumo de combustível). O recurso acionava os repetidores de luzes de direção dos pára-lamas dianteiros, à vista do motorista, sempre que o pedal era pressionado além de certo ponto. Não havia uma limitação mecânica, apenas o alerta de que o consumo era excessivo naquele momento.
Seu princípio era o mesmo dos vacuômetros, tão comuns à época: orientar o usuário a manter o mínimo de pressão no acelerador, exatamente o que hoje se sabe não ser um meio de economizar.
 Curioso é que uma conhecida revista, ao realizar testes, concluiu que utilizar o sistema poupava até 25% de gasolina! Só que, para evitar que a luz se acendesse, o motorista precisava pisar muito pouco e a aceleração de 0 a 100 km/h de um Charger R/T automático levava 17,8 segundos em vez de 10,3 s. Assim é fácil...
No Salão do Automóvel de 1974, a Chrysler exibia os modelos 1975 com caixa automática opcional. O Charger era alvo de novos retoques estéticos: faixas laterais, lanternas traseiras, painel de instrumentos. A publicidade continuava a se impor diante dos concorrentes, chegando a dizer que o Charger era o "único carro esporte nacional que olha de frente para os importados", que até 1976 poderiam ser adquiridos no Brasil.



Com o motor 250-S no Opala SS, o Brasil passava a contar em 1976 com três fortes concorrentes no mercado de esportivos. Com desempenhos cada vez mais próximos, os compradores muitas vezes optavam por ele ou pelo Maverick GT por serem cerca de 25% mais baratos. Isso não amedrontava a Chrysler, mas a escassez de gasolina azul nos postos, sim.

Ainda em 1976 a Chrysler fazia algumas mudanças em sua produção. Tirava de linha o Charger LS. O R/T agora contava com bancos mais altos, novos volante e faixas laterais. A partir de 1977 o esportivo tinha a taxa de compressão reduzida (de 8:4;1 para 7:5;1), ficando igual à dos demais modelos, para possibilitar o uso da gasolina amarela, comum, mais barata e mais fácil de encontrar que a azul.





Em 1978 o Charger R/T já não era mais o mesmo: perdia as entradas de ar do capô e a alta taxa de compressão, o que resultava em menor potência



O PRINCIPIO DO FIM

Para 1978 o Charger R/T não contava mais com o famoso capô com falsas entradas de ar. Tinha o revestimento de vinil do teto limitado à seção traseira, padrão denominado Las Vegas, e novas faixas laterais. Tudo isso dava um ar mais comportado. Na mecânica, apenas pneus radiais de série e a recalibração do carburador, visando a maior economia. Saía de produção o Gran Sedan, restando somente o Dart de Luxo e o Charger R/T.
Uma remodelação total vinha em 1979. Todos os modelos eram modificados, ganhando maior conforto ao rodar, devido à suspensão recalibrada e ao melhor revestimento acústico. O Dart exibia nova frente, como no modelo americano de 1974, com a grade pouco mais alta na região dos faróis, um "bico" no centro, pára-choques mais robustos e, na traseira, lanternas em linha horizontal. Com bancos individuais reclináveis, opcionais, o câmbio manual de quatro marchas passava a vir no assoalho.
Surgiam duas novas versões: o cupê Magnum e o sedã de quatro portas Le Baron. Topos de linha da Chrysler, custavam mais caro que o Charger R/T e tiveram seu lugar no mercado, devido à demanda gerada pela proibição das importações em 1976. A carroceria era a mesma do Dart, exceto nas seções dianteira e traseira, feitas em plástico com fibra-de-vidro, o que permitia as modificações de estilo a custo baixo.


Ambos exibiam quatro faróis, pára-lamas traseiros com sutis "rabos de peixe", calotas cromadas de desenho clássico e um interior luxuoso. Os bancos do Le Baron, bem acolchoados, pareciam poltronas, e o rádio/toca-fitas tinha antena elétrica. O Magnum vinha ainda com pneus radiais 185-14, de série, e lembrava um targa com a solução da capota, em que uma moldura na cor da carroceria ligava as colunas centrais de cada lado.
Os dois modelos traziam algumas novidades mecânicas: novo radiador, tanque de combustível bem maior (de 62 passava, enfim, a 107 litros, essencial para o regime de postos fechados das 20h às 6h e nos fins-de-semana), bateria e alternador de maior capacidade e, em relação ao Charger R/T, suspensão mais macia. O Magnum podia ter câmbio manual de quatro marchas ou automático de três, com alavanca no assoalho; o Le Baron, manual ou automático de três marchas, sempre na coluna de direção.
O Charger R/T 1979 perdia esportividade com a traseira similar à do Dart e colunas traseiras normais, embora ganhasse persianas nos vidros laterais
O R/T tornava-se mais um carro de luxo que um esportivo, ganhando nova frente, com um "bico" em plástico e fibra-de-vidro, e traseira similar à do Magnum, além de pintura em dois tons. Desapareciam os prolongamentos das colunas traseiras e surgiam persianas nos vidros laterais posteriores, de estética interessante.
Passava a ser oferecido com rodas de alumínio, as primeiras de fábrica no Brasil, mas os pneus radiais voltavam a ser opcionais, um retrocesso inaceitável. Novos bancos e acabamentos internos diferenciavam-no bastante do modelo anterior. E começava a perder sua autenticidade: as suspensões eram suavizadas, o volante vinha do Dart, o couro dos bancos dava lugar a vinil e até mesmo o conta-giros havia sido retirado do painel, substituído por um relógio.
Ainda em 1979, vítima da crise do petróleo e do desinteresse pelos carros grandes, a Chrysler era comprada pela Volkswagen, que passava a produzir seus caminhões nas instalações da empresa americana e manteve por pouco tempo a produção dos automóveis Dodge. No ano seguinte a razão social da fábrica desaparecia, pois a VW obtivera o restante das ações das mãos de terceiros.
A linha desse ano quase não sofria atualizações, exceto pelo Charger, que se tornava cada vez mais sóbrio. A falta de interesse do novo dono foi logo refletida nele, que acabou perdendo a pintura em dois tons e a persiana lateral. Já o Magnum recebia um interessante recurso como opcional: o teto solar de controle elétrico, comandado por um botão no painel e primazia em um carro nacional. Nas versões mais luxuosas, os Dodges traziam ainda iluminação na chave e limpador de pára-brisa com lavador elétrico.
Os consumidores tinham receio. Com a segunda crise do petróleo, em 1979, o preço da gasolina passava a ser um fator considerável na compra e os rumores em torno do fim da linha Dodge eram constantes. O fim parecia próximo — e realmente estava. A sigla R/T se despedia já em 1980, e o ano seguinte marcaria o fim da linha Dart e do médio Polara no Brasil. Apenas os motores V8 continuaram a ser produzidos, para equipar os caminhões Volkswagen.
Mais de 20 anos se passaram desde que os Dodges saíram de linha, mas eles continuam motivo de paixão e dedicação entre os aficionados. O Charger R/T, em especial, marcou época entre os carros nacionais por seu estilo e desempenho. Serão sempre lembrados pelos admiradores como alguns dos mais desejados automóveis de série do Brasil.







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